A importância dos estudos sobre a História do Negro no Brasil e da História da África, deve ser
entendida como parte importante da construção da identidade do povo brasileiro e, em
particular da população afrodescendente, através do qual, regata-se uma dívida histórica, no
registro histórico oficial, daqueles que colaboraram, em uma escala gigantesca, no acumulo da
riqueza nacional e no complexo multicultural que caracteriza e personaliza o povo brasileiro.
Tratar uma temática tão complexa como a História do Negro no Brasil é um exercício de busca
das nossas principais raízes culturais, nas quais, estão inseridas 49% da população brasileira.
Ao estabelecer diretrizes nos estudos do negro no Brasil, deve-se levar em conta a
desinformação sobre a África, sua história e a sua complexidade cultural, que gera
sentimentos de desagregação no povo afro-brasileiro e desenvolve um processo de negação na
sua origem em função de uma história expropriada do continente africano.
A identificação com a África nem sempre é assumida com orgulho pela maioria dos negros
brasileiros e, neste sentido, a eloqüência do mito da democracia racial no Brasil no ideal de
branqueamento, sustentado pela mestiçagem, influência nos contornos na identidade coletiva
dos afro-brasileiros induzindo-os aos refúgios simbólicos dos mitos e heróis nacionais, os
quais, não os representam.
Neste contexto, a imagem caricatural do africano na sociedade brasileira é a do negro
acorrentado aos grilhões do passado, imagem construída pela insistência e persistência das
representações da África como a terra de origem dos negros escravizados, de um continente
sem história e repleta de animais selvagens. A África é tida sempre como o diferente com
relação aos outros continentes, há um bloqueio sistemático em pensar o negro sem o vínculo
da escravidão. O imaginário social brasileiro tem dificuldades no processo do exercício da
cidadania na formulação do modelo de origem dos afrodescendentes.
O fortalecimento desta construção identitária dos afro-brasileiros passa pelo trabalho de
reconstrução do seu lugar social, marcado por múltiplas rupturas e traumatismos na trajetória
de sua própria história. Portanto, os “grupos de pertença” definem, o perfil de seus
integrantes, estabelecendo padrões próprios de ideal e auto-estima.
Iniciativas como o estudo da História do Continente Africano, tem como relevância social e
histórica o contexto principal da História do Negro no Brasil, este espaço deve oferecer a
iniciação para buscar entender e fixar e, posteriormente, desenvolver e aprofundar, as
questões referentes à África, tendo como prerrogativa desvendar curiosidades e confirmar
relatos que na História Universal, se faz de maneira maquiada, no pressuposto da menor
importância das culturas africanas no contexto histórico mundial.
Os valores materiais e simbólicos dos africanos em sua terra natal, suas estruturas sociais e
religiosas, denotam personalidade singular no conjunto de um rico acervo artístico e cultural,
chegando aos dias de hoje, através de tribos de modo vivente agrários ou nas heranças nos
novos territórios da diáspora negra pelo mundo.
O discurso da História, na atualidade, tem um perfil renovador, o vasto continente africano
apresenta movimentos históricos próprios. A diversidade dos povos na África resulta de uma
geografia variada e de uma longa pré-história. As interações entre os muitos povos africanos
geraram movimentos populacionais surpreendentes nos últimos cinco mil anos como a
expansão dos bantos no continente africano. Os grandes impérios africanos são destacados
com suas características singulares, como também o movimento de islamização no século XI,
até a chegada dos portugueses, espanhóis, holandeses, ingleses e franceses, que se lançaram
ao mar e as conquistas econômicas e políticas, gerando dívidas históricas e deixando como
legado, conflituosas heranças no território africano, refletidas até os dias de hoje.
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Os fatos históricos dos negros no Brasil são registrados, paralelamente a história oficial
brasileira, em algumas produções literárias, não sendo destacada de forma coerente na
historiografia brasileira, pois, tal construção foi relatada através da ótica do europeu, que deu
grande ênfase, a seus heróis, enaltecendo seus feitos e deixando à margem a efetiva
contribuição do povo negro no enriquecimento e na formação da nação brasileira.
A formação da população pluriétnica no Brasil, é decorrente das várias nações africanas
trazidas como mão-de-obra, que denotam ainda, nos tempos atuais, peculiaridades,
identidades e representações próprias, em alguns grupos específicos. Pelas mais variadas
formas de embarque e tramitação pelo território brasileiro, mesmo depois da proibição do
tráfico, o contrabando e a migração interna, realimentaram o fenômeno da miscigenação no
Brasil. Sem que se possa oferecer um balanço exato da extradição da África para o Brasil de
homens, mulheres e crianças, no entanto, pode-se afirmar que em maior números vieram às
etnias sudanesa e banto.
Na chegada ao Brasil, recebiam nomes de procedência, muitas vezes do navio que os
transportavam, outras vezes consignados em seus próprios documentos, assim, mesmo sabese
que não possuíam origem única, assim, jêjes, congos, angolas, cafres, cabindas, entre
muitos outros, eram embarcados na África, por exemplo, no Forte de São João da Mina e na
chegada ao Brasil, eram denominados “negros minas”.
Esta mão-de-obra foi trazida à revelia da vontade destes homens e mulheres, porém, este
contingente recrutado na África produziu riquezas, primeiro para a Metrópole portuguesa e
depois para os seus próprios signatários. Primeiro no ciclo da cana-de-açúcar, a seguir no ciclo
do ouro, depois no ciclo do café. Tipos étnicos distintos trabalharam no Brasil nas
charqueadas, nas plantações de algodão e fumo, nos engenhos, fazendas e estâncias, como
peões, boiadeiros, tropeiros, capatazes, negociantes, vendedores ambulantes, artesões e como
soldados, nas pelejas territoriais. Isto sem retratar a importância do papel da mulher africana,
nas artes do fazer, do cozer, do criar, do despojamento no amar e na suplantação das
profundas marcas das perdas.
Da África vieram nações de diversos locais como: Acra, Ajuda, Alto Volta, Ambacas, Ambace,
Amboim, Angoche, Angola, Axânti, Bacuir, Bailundo, Bamaco, Bamba, Bambara, Bambo,
Banguela, Benin, Barué, Bateque, Benguela, Biafra, Bié, Biguda, Bijangós, Bissau, Cabinda,
Cabo Verde, Cacheu, Cacongo, Cafraria, Calabar, Camarões, Caçange, Congo, Costa dos
Dentes, Costa dos Escravos, Costa do Marfim, Costa da Mina, Costa do Ouro, Costa do Grão ou
da Pimenta, Costa do Vento, Daomé, Fânti, Gabão, Gambia, Gaza, Guiné, Guiné-Bissau, Ibo,
Ilorim, Lagos, Libéria, Libolos, Libongo, Libreville, Loango, Lourenço Marques, Luanda,
Macuana, Malaui, Malemba, Mali, Manianga, Manica, Maniema, Moçambique, Níger, Nigéria,
Novo Redondo, Nupé, Quelimane, Quiçanga, Quimbande, São Jorge da Mina, Sego, Senegal,
Senegâmbia, Serra Leoa, Sofala, Sudão, Tanzânia, Tete, Togo, Tombuctu, Uganda, Zama,
Zâmbia, Zambézia, Zanzibar.
No Brasil, tais nações africanas, enfrentaram o desafio do pluralismo cultural em um processo
de empréstimos e de transculturação. A investigação histórica comprova a construção de uma
identidade afro-brasileira, resgatada através da memória e da valorização do povo africano. As
migrações em território brasileiro, na época Colonial e Imperial, propiciaram as culturas
africanas estreitas relações que formaram elos identitários, de onde se originaram as
mobilizações e as resistências tais como: os quilombos, as irmandades e as confrarias, as
religiões de cultos africanos, como também, as revoltas, insurreições e confrontos que
contribuíram no inventário das mudanças e transformações pela persistência na alteração das
estruturas sociais, até os dias de hoje.
Os movimentos negros organizados, ao longo do tempo, nos discursos sobre as desigualdades
raciais, enfatizam a reconstrução de sua identidade como plataforma mobilizadora no caminho
da conquista da sua plena cidadania. O silêncio foi sempre uma estratégia de sobrevivência
das culturas de origem africana, porém, o esquecimento faz parte da dívida histórica nacional.
Claudia Lima.